abril 23, 2010

Promessas

O acreditar num principio cósmico indiferente não se encontra muito distante do aceitar uma realidade coerente e objectiva. O primeiro crê numa fonte do Universo (cuja origem é ininteligível) e que, eventualmente, o mantém estável; o segundo crê num início sem causa aparente (o Big-Bang) e vê o Universo como um pano de fundo há muito estabilizado. Existe, claro, uma diferença crucial: há evidências do segundo enquanto o primeiro é imune a qualquer análise. O primeiro é o príncipio das religiões védicas e helenistas ou ainda do deus de Spinoza (o ser cósmico que se confunde com o próprio universo), o segundo o pano de fundo do método científico. Mas enquanto a adopção do segundo resultou na criação de conhecimento fundamental para o progresso social, o primeiro anexou em seu redor uma corte de conceitos artificiais progressivamente mais barrocos: o principio tornou-se pessoal (nas personalidades de deuses e demónios), preocupado com micro-gestão (o karma, a predestinação, os juízos finais) e com espírito de pai natal (uma alma eterna, o paraíso, a reencarnação). Este evoluir é, provavelmente, reflexo do carácter irracional e infantil do ser humano, da nossa fragilidade, do curto tempo, poder e opções que dispomos. Mas também é devido à maior antiguidade que o primeiro conceito tem em relação ao segundo. No ecossistema mental da humanidade é natural que as propostas mais aliciantes às ânsias e aos desejos imediatos das pessoas tenham maior probabilidade de sucesso. Uma resposta fácil e final é mais propícia a manter-se do que uma que só promete dificuldades. E a Ciência é nisto implacável: não há nada lá fora que seja simpático à humanidade; tudo o que podemos obter está no verniz deste planeta preso e alimentado por uma estrela convulsiva; não há sentido em nada excepto naquilo por nós construído; não há um destino excepto a extinção; não há respostas finais excepto as impostas pela autoridade; o conhecimento não é fácil nem revelado mas apenas resultado de suor, de muitos erros, de recuos pesadíssimos e, demasiadas vezes, à custa de sangue. Nosso.

1 comentário:

Kamaroonis disse...

"[...]não há respostas finais excepto as impostas pela autoridade" - e essas apenas são, acreditamos pela evidência, pela experiência honestamente conjugadas com a Razão, temporariamente finais! ;)