fevereiro 23, 2009

Custo-Benefício

Os líderes religiosos acreditam num paraíso eterno pós-morte. Isto significa que a nossa vida actual é menos que um grão num Universo de experiências por obter. Deste ponto de vista é perfeitamente lógico que se invista menos na felicidade ou liberdade terrena e mais no sacrifício do regulamento moral que dá entrada nesse clube celestial. O ganho é tão grande (é infinito) que justifica qualquer acção humana (porque finita) nesse sentido, incluindo autos-de-fé ou aviões a entrar por arranha-céus. O problema disto tudo é que a premissa inicial é falsa e, assim, todo este esforço resulta numa imensa tragédia que se arrasta há milénios e que consome centenas de milhões num delírio infantil.

2 comentários:

Carlos Pires disse...

Quando se argumenta precisamos de 3 condições para obter um argumento bom ou cogente:

1. Validade.
2. Premissas verdadeiras.
(A junção de 1. e 2. garante - necessariamente no caso dos argumentos dedutivos, e provavelmente no caso dos argumentos não dedutivos - que a conclusão é verdadeira.)
3. Premissas mais plausíveis que a conclusão; ou seja: para uma pessoa se deixar persuadir acerca da conclusão é preciso que as razões justificativas sejam menos disputáveis que esta. Dito por outras palavras: é preciso que a verdade das premissas seja mais fácil de aceitar que a verdade da conclusão.

O problema é este: a validade de um argumento ou a verdade de uma proposição são independentes do sujeito, mas a plausibilidade de uma proposição não é.

Em determinadas circunstâncias culturais, históricas, psicológicas, etc. (naquilo que alguns autores chamam "estado cognitivo"), a falsidade pode ser mais plausível que a verdade.
Um exemplo. No estado cognitivo em que Ptolomeu se encontrava, a ideia da imobilidade da Terra era muito mais plausível que a ideia contrária. No lugar dele não teríamos provavelmente conseguido fazer melhor.

Como sair desse círculo quase fechado do "estado cognitivo"?

Repare que algo semelhante nos pode estar a suceder: sem que tenhamos indícios disso, algumas ideias que consideramos obviamente verdadeiras podem ser afinal falsas.

As pessoas que têm um ponto de vista religioso acerca da vida, e que acham verdadeira a tal premissa que afinal é falsa, podem (actualmente, com a Internet e outros meios de comunicação, nem sequer é difícil) ter acesso a informações que mostram essa falsidade.
O problema é que essas informações colidem com crenças básicas que assimilaram desde crianças e face à importância destas essas informações ficam automaticamente desvalorizadas. É como se essas pessoas estivessem de facto fechadas dentro de um círculo, de uma bolha que as acompanha em todos os seus movimentos, olhares e pensamentos.

Não sou relativista nem sequer céptico (pelo menos radical), mas duvido muito da possibilidade da maioria transpor esse círculo - de furar a bolha e contemplar o exterior com objectividade.
Creio, por isso, que o fanatismo religioso vai continuar.

João Neto disse...

Concordo consigo. Somos criaturas do nosso tempo presos à cultura que nos educou. Só que, no presente, o contexto melhorou muito. No passado, num ambiente muito mais fechado e conservador, com muito menos conhecimento, educação e comunicação, o pouco que se avançava era, de facto, uma tarefa díficil, meritória e, por vezes, perigosa. Hoje em dia, com as possibilidades que existem, é muito mais da responsabilidade do indíviduo furar essa bolha e evitar-se ao estado de torpor crítico a que muitos ainda se condenam. Não me admiro tanto com os fanáticos (que os há-de haver sempre) mas sim com a imensa multidão sonâmbula que não se esforça para olhar as coisas como elas são e não como lhas dizem ser.

Obrigado pelo comentário e, já agora aproveito, parabéns pelo serviço público que fazem no Dúvida Metódica.