agosto 02, 2008

Aproximações

Os sistemas dinâmicos suficientemente complexos partilham uma característica: o caos. O caos é uma etiqueta para um conjunto de comportamentos definidos matematicamente, um dos quais é a sensibilidade aos parâmetros iniciais, vulgo, o efeito borboleta. Esta sensibilidade indica que mínimas discrepâncias nos valores dos parâmetros implicam, ao fim de um espaço limitado de tempo, uma divergência muito maior de comportamento. Isto significa que estes sistemas são, de certa forma, irredutíveis: a única forma de saber como se desenrolam é esperar que ocorram, que se desenvolvam. A meteorologia tem como estudo um sistema destes: o tempo atmosférico. Mesmo conhecendo todos os factores relevantes, todas as equações que determinam a dinâmica - reparar que irredutível não é o mesmo que não modelável-, é materialmente impossível saber como o tempo se comporta exactamente ao fim de um mês. Claro que existem limites, sabemos que daqui a um mês não estaremos numa época glacial, mas dentro de um intervalo de variação, como saber se vai chover ou não num determinado local, é melhor olhar para as medições do passado recente e escolher o valor mais comum. Outro sistema dinâmico de enorme complexidade é o cérebro. O cérebro é constituído por uma rede de impulsos bio-eléctricos suportada por biliões de neurónios e árvores dendríticas a funcionar em paralelo. Mesmo que a neurofisiologia do futuro seja capaz de dissecar todos os detalhes do cérebro, estabelecer como se conjugam estes detalhes e entender o relevante do seu funcionamento, teremos o mesmo problema que na meteorologia: o funcionamento do cérebro, isto é, a mente, será irredutível. Ou seja, mesmo conhecendo o meu estado mental no presente com toda a precisão possível, a capacidade tecnológica para prever o que farei, o que escolherei no futuro será limitada pelo mesmo limite que subjuga a previsão do tempo. Talvez se deduza que posso fazer X ou Y em condições sensoriais controladas, na próxima hora, digamos, mas após isso, o meu historial será mais fidedigno a prever o meu comportamento futuro.

Alguns pontos:

1) O livre-arbítrio estará para sempre protegido pela irredutibilidade do processo cognitivo. Não sendo analisável, será esta uma demonstração do seu carácter subjectivo?
2) O facto que ser irredutível faz com que seja impossível testar se a mente é ou não clonável (como saber se as duas mentes fariam o mesmo num futuro suficientemente distante?). Não parece tecnicamente possível copiar exactamente todo um cérebro, mas mesmo que fosse exequível, as duas mentes começariam desde logo a divergir devido à sensibilidade aos parâmetros inerente à cognição.
3) Copiar uma mente é diferente que criar uma boa aproximação. Uma aproximação permite relaxar certos pontos. Por exemplo, se tivermos uma teoria suficientemente precisa do tempo atmosférico, apesar de ser impossível recriar o tempo real, é possível alimentar um modelo com valores aceitáveis e executar um tempo virtual. Este tempo virtual não permite prever o tempo real, mas matematicamente, dentro da estrutura abstracta dessa teoria, não existem diferenças qualitativas entre os dois. Por analogia, tendo nós uma teoria da cognição, poderíamos criar uma simulação (o necessário poder computacional será uma inevitabilidade ainda neste século) e executar 'uma pessoa'. Não uma pessoa que exista ou existiu, mas uma pessoa possível, talvez mesmo uma aproximação minha, vossa. Será algo, alguém, que nos dirá que sente, que pensa, e que argumentará connosco em sua própria defesa, como o faria qualquer um de nós.