janeiro 15, 2008

Simulação e realidade

"Após várias gerações de experiência com a cultura dos computadores, a simulação tornar-se-á totalmente natural. A autenticidade, no sentido tradicional do termo, perderá valor e será um vestígio de outros tempos.

Seja o seguinte momento, em 2005: levo a minha filha de 14 anos à exibição sobre o Charles Darwin no Museu Americano de História Natural. A exibição documenta a vida de Darwin [...] e, à entrada, encontra-se uma tartaruga das ilhas Galápagos. O animal repousa da sua jaula, perfeitamente imóvel. “Podiam ter usado um robot.” comenta a minha filha. “É uma pena trazer uma tartaruga até aqui para um papel que atrai tão pouca atenção”. Eu fico surpreendido com estes comentários, ao mesmo tempo solícitos pela pobre tartaruga presa, como pela despreocupação da autenticidade da mesma. Como a fila de espera para comprar os bilhetes é grande, aproveito o tempo para perguntar aos outros pais e aos seus filhos se ligam ou não ao facto da tartaruga estar viva. Uma menina de dez anos também preferiria um robot porque a autenticidade tem as suas desvantagens estéticas, “A água está muito suja. É nojento.” Na maioria dos casos, as opiniões reflectem as da minha filha. Neste cenário, o facto de escolher uma tartaruga real não parece valer o trabalho de a ter trazido até ali. Uma rapariga de doze anos: “Para o que as tartarugas fazem, não é preciso ter uma viva.” O pai dela, observa-a, sem compreender: “Mas o que interessa é ela estar viva, é precisamente esse o ponto.” [...] A exposição foca-se na autenticidade: podemos olhar para a lente que Darwin realmente usava, ver os seus cadernos com algumas das frases onde se falou pela primeira vez da Evolução. Mas as reacções das crianças apontam que a ideia do ‘original’ está em crise.

Há muito que acredito que, na cultura da simulação, a noção do autêntico está para nós como o sexo estava para os Vitorianos – “ameaça e obsessão, tabu e fascínio”. Tenho convivido com esta noção desde há muitos anos. Porém, no museu, acho surpreendente e perturbadora a reacção das crianças. Para elas, neste contexto, o animal vivo não parece ter valor intrínseco. Seria apenas útil se servisse um determinado objectivo. “Se a substituir-mos por um robot, deveríamos dizer às pessoas que a tartaruga não estaria viva?”, pergunto eu. “Nem por isso”, respondem-me diversas crianças. Esse tipo de informação pode ser partilhado apenas se houver necessidade disso. Assim, qual é o propósito das coisas vivas? Quando precisamos saber se algo está vivo?

Consideremos outra situação de 2005: uma mulher idosa, num lar em Boston, encontra-se triste: o seu filho afastou-se dela há relativamente pouco tempo. Este lar faz parte de um estudo que conduzo sobre robots de apoio à velhice. Gravo as reacções dela, quando ela se senta perto do robot Paro, um robot em forma de foca, anunciado como o primeiro robot terapêutico pelos seus efeitos positivos nos doentes, nos velhos, nos emocionalmente perturbados. Paro é capaz de olhar nos olhos das pessoas detectando a origem da voz, é sensível ao toque, e possui ‘estados de alma’ que dependem de como é tratado, por exemplo, se é acariciado ou tratado com agressividade. Nesta sessão com Paro, a mulher, deprimida pela situação com o seu filho, acredita que o robot também está deprimido. Ela vira-se para Paro e faz-lhe festas enquanto o conforta “Sim, tu estás triste, não estás? É duro estar aqui”, tentando, ao mesmo tempo, confortá-lo. E ao fazê-lo, tenta-se confortar a si mesma.

A crença da mulher de se fazer entender é baseada na capacidade de objectos computacionais, como Paro, convencerem os seus utilizadores que existe uma relação afectiva. Eu chamo a estes artefactos (alguns são virtuais, outros objectos físicos), ‘artefactos relacionais’. A sua capacidade de inspirar relações não é baseada na inteligência ou consciência, mas apenas na habilidade de pressionar certos botões darwinianos que existem nas pessoas (estabelecer contacto visual, por exemplo) que fazem com que respondamos como se existisse uma relação. Para mim, os artefactos relacionais, na nossa cultura digital, são – como Freud disse – o muito familiar a tomar estranhamente uma forma não familiar. E, assim, somos confrontados com uma série de novas perguntas.

O que diz sobre nós esta tecnologia de apoio sentimental nos dois momentos da nossa vida onde estamos mais dependentes (a infância e a velhice)? O que fará por nós? Será que os planos de utilizar robots relacionais far-nos-á não procurar outras soluções? As pessoas terão tendência a amar os seus robots, mas se a nossa experiência com artefactos relacionais se basear numa partilha fundamentalmente falsa, será isso bom para nós? Ou poderá ser bom para nós na sensação superficial do momento mas mau para nós enquanto seres morais?

As relações com robots trazem de volta Darwin e a sua perigosa ideia: o desafio à unicidade do ser humano. Quando vemos crianças ou idosos a trocar carícias com animais de estimação artificiais a questão mais importante não é saber se irão amá-los mais do que aos animais reais, ou até mais que os respectivos pais ou filhos, mas sim, o que passará a significar amar alguém?" adaptado do texto de Shery Turkle