Criticalidade
Uma gota de água num Oceano não é nada, é algo. É, para ser preciso, uma gota. Um gesto ínfimo é um gesto. Até um gesto gasto na repetição de uma rotina obrigatória, mesmo que a complexa mecânica muscular que o origina venha do subconsciente e não tenha já qualquer impacto da memória de quem o causou, não deixa de ser um gesto. É que para a realidade não há burocracias, hierarquias de importância ou momentos chave que filtram o que permanece. A realidade tudo contabiliza num acumular subtil que não entendemos. O Dr. Spleen finalmente encontrou a psicose que há anos o seu deambular de rua procurava. Este homem, um silêncio encarnado (nenhum som daquela boca mesmo após a paciência fiscal dos punhos de Kong Sénior ou o furor profissional de Dabila). Eis alguém que acumulava olhares de pessoas por quem passava, medindo, atribuindo-lhes créditos. Spleen apenas vislumbra uma tosca projecção desse classificar. Suspeita que certos números mapeavam um sorriso, um observar curioso, um ver de soslaio, a indiferença dos rostos. E nesse cálculo o espelho da sua curiosidade. Pois atrás dele o desvendar de uma aritmética da acção, o acumular de médias ponderadas até atingir um limite, talvez arbitrário, essa gota de água, esse transbordar que o levava, por fim, a terminar Outros.
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