abril 16, 2007

Verniz

Existe uma tensão entre os sons que o mundo emite. Entre constâncias e cacofonias, entre a ordem e o aleatório, um verniz de sinfonia, de vida e organização reveste a sociedade nos seus equilíbrios auto-sustentados. O silêncio não é ausência, é apenas o retornar de uma ordem estéril sobre o complexo, de uma pausa sobre aquilo que avança (ou recua), um ponto fixo que não atrai. Encostado à mesa das jóias, as duas mãos suspensas na madeira antiga e cercadas por pérolas soltas de um anterior fio, o Dr. Spleen observa o espelho imaculadamente limpo pela criada que agora se estende imóvel pela cozinha. Os proprietários da vivenda, esses, encontram-se presos no porão. Um deles, o homem, parece agora acordar pelos gemidos e inícios de socorro que começam lá de baixo. Mas a distância transforma mensagens em nadas e na mente de Spleen apenas o silêncio filtrado do seu rosto pronto, se pudesse, a colocar uma questão, porque que tipo de respostas poderia um reflexo dar?

abril 12, 2007

Regras

Sem jogar no tabuleiro dos direitos e deveres, o dizer apenas que a cedência em qualquer ponto no nosso comportamento actual pode levar a uma catástrofe e, por isso, deve ser evitada é um argumento que serviria também a um monarca absolutista sobre a democracia, um censor sobre a liberdade de expressão ou a um senhor da guerra sobre a próxima intenção de paz.

abril 09, 2007

Pessoas

Somos fogueiras alimentando gente.

abril 05, 2007

Sugestão de leitura

There's time to spare. This is one of the things I wasn't prepare for - the amount of unfilled time, the long parentheses of nothing. Time as white sound. If only I could embroider. Weave, knit, something to do with my hands. I want a cigarette. I remember walking in art galleries, through the nineteen century: the obsession they had with harems. Dozens of paintings of harems, fat women lolling on divans, turbans on their heads or velvet caps, being fanned with peacock tails, a eunuch in the background standing guard. Studies of sedentary flesh, painted by men who'd never been there. These pictures were supposed to be erotic, and I thought they were, at the time, but I see now what they were really about. They were paintings about suspended animation; about waiting, about objects not in use. They were paintings about boredom.

But maybe boredom is erotic, when women do it, for men. Margaret Atwood, The Handmaid's Tale

abril 02, 2007

Desenho

A vitória é nada se a derrota for nada. Como atingir algo quando o esforço, o sacrifício ou a perda não existem como oposição e preço? Não é só o sangue fervente do desafio que faz desfrutar uma conquista mas também saber que em alternativa se oporia um imenso descalabro ou um vazio. Como dizer ser preciso fazer algo se, caso falhe, tudo ficar na mesma? Para o Dr. Spleen os planos de actuação perfeitos não são jogadas sem possibilidade de derrota, são apenas estratégias limpas da falha própria de quem as desenha. Há sempre um outro, o adversário que pode - porque o mundo é complexo, largo, de um rol de ilimitadas possibilidades e regras por descobrir - encontrar um caminho melhor, que o vença sem a mácula do erro fácil e humilhante. Por outro lado, nada que o motiva é aleatório, há sempre uma linha a atingir, um objectivo, que lento, se modela. O Dr. Spleen sabe que ser-se irrelevante é pior que ser-se vencido e é nessa certeza que as escolhas que comete aos outros são, em larga medida, um constante lutar contra essa força natural que comete tudo à sopa morna e informe do futuro longínquo, que apesar de inevitável é adiável nas nossas mãos.