junho 27, 2006

Rotação

Por muito difícil ou entediante cada ano teu que passa, o que deixas? Que momentos guardas, quais os humores distintos que te atravessam e que esquecerás por descuido? Para que armazenar uma vida, única sempre mas que te parece a mesma dos outros? Mesmo perdendo todos nessa perda, a resposta, havendo-a, serás tu a dá-la.

junho 26, 2006

Perspectiva

A comunicação só é possível com contexto. O olhar discreto do Doutor Spleen faz Dabila segurar o braço do bufo inutilmente escondido no conhecido programa húngaro de protecção de testemunhas. Kong sénior retira o martelo da mala e inicia uma sequência crescente de impactos contra a mão do referido personagem. Poderíamos explicar o padrão usado nesta técnica, aprendida num curso de formação Americano (a ordem a esmagar os dedos, por exemplo, dizem não ser trivial). Poderíamos também descrever o que Spleen pretende deste episódio (que não é a busca de informação, pois, como já foi dito, Spleen não reconhece mérito à tortura continuada). Preferimos salientar que, por entre os gritos e os sons abafados do metal a beijar a carne, o Doutor Spleen pensa na ligação entre sentido e função. Para alguém em que este fosse o primeiro martelo, como adivinhar-lhe outro propósito? Neste departamento quem pesa mais: o desenho da criação ou o rascunho do momento?

junho 22, 2006

Dürer @ 1500

junho 20, 2006

Intersecção

O dicionário é o esforço desesperado de fixar o vento que são as palavras. Se fores ao teu e procurares 'amizade' vês-te nessa explicação? E 'azul'? Quando conversas com alguém tantas as diferenças entre os vossos mundos, quão ténue a ponte que vos liga.

junho 19, 2006

Desanta Trindade

Sendo a estupidez um factor tão constante, como é possível considerar que o desenvolver de inteligência é um inevitável da Evolução? A probabilidade de existir ursos panda cósmicos é a mesma de haver seres que saibam fazer uma raiz quadrada? Será igualmente provável a emergência de médicos, de advogados ou de agentes de seguros quando comparado com a emergência de trombas de elefante? Para Kong sénior (que detesta com alguma profundidade médicos, advogados e agentes de seguros) é igualmente perturbante a existência única da Terra como a possibilidade de haver milhares de milhões de planetas do género. Por outro lado, considera fascinante dar a actual carga de porrada ao agente de seguros formado em Direito que cometeu a estupidez de bater à porta do Doutor Spleen num Domingo ao meio-dia. Como qualquer ser humano normal, nesta nossa incessante procura de motivos de insatisfação, Kong sénior só lamenta não serem seguros de saúde.

junho 09, 2006

Convicções em Ankh

Os habitantes do planeta Ankh, por acasos evolutivos, possuem a capacidade mental de apreender de imediato as relações de um qualquer conjunto de amostras. Curiosamente ou talvez não, a ciência Ankhaniana tem revelado regularidades em todas as actividades naturais do planeta bem como nos dados recolhidos pela sua avançada astronomia. Os Ankhanianos crêem (esta é a palavra que melhor expressa a convicção civilizacional na segurança e no rigor da sua Ciência) que a forma ideal de enviar sinais ao Cosmos, para que outros mundos os detectem, é a emissão de uma mensagem totalmente aleatória. Uma mensagem destas não possui ambiguidade e encerra entropia máxima, coisa que nenhum fenómeno não consciente é capaz de emular. Deste modo, o seu programa de detecção de vida inteligente passa pela procura de um sinal com estas características. Qualquer padrão, por muito artificial que pareça (como a sequência de números primos enviada pela Terra e que chegou a Ankh mesmo à coisa de dois três minutos), não passa sequer pelos filtros computacionais do sistema, tão forte é o julgar desse óbvio que lhes veste.

junho 06, 2006

Ar Puro...


...mas nem por isso calmo.

junho 05, 2006

Termodinâmica

Conversar retira da concentração o que dá ao prazer, era o graffiti escrito a tinta vermelha (porém em péssima caligrafia) naquele beco da cidade. Talvez não seja o que King Sénior considera durante a sequência de pontapés que desfere, com cuidado e mudez, ao fígado de um cliente mau pagador. É evidente que se lhe fosse possível escolher (e no dilema da escolha haveria muito que falar, muitos livros a escrever, muitas teses a defender entre mesas de pessoas sentadas), o receptor da energia cinética daquelas botas militares gostaria de salientar a justeza de tal curta frase de autor incógnito. O Doutor Spleen (que lhe passou um olhar rápido e, por insondável motivo, a registou) compreenderia essa ânsia pois admite que a transferência de energia, seja ela física, química ou conceptual, produz sempre um calor que é preço que não agrada a todos.

junho 01, 2006

Efeito de Baldwin

[adaptado do livro Consciousness Explained, de Daniel Dennet]

Um cérebro plástico é capaz de se reorganizar, adaptando-se às alterações de um ambiente dinâmico. Este foi um novo mecanismo da evolução: o ajuste e a fixação pós-natal dos cérebros individuais. Os candidatos à selecção natural são agora as várias estruturas cerebrais que controlam e influenciam comportamentos e o processo de selecção é conseguido pela menor ou maior flexibilidade dos processos mecânicos geneticamente implantados no sistema nervoso. Esta capacidade, ela mesmo um produto da selecção natural, não só dá uma vantagem aos organismos que a possuem, comparado com outros cujo sistema nervoso está fixo, como se reflecte no processo de evolução genética, acelerando-o. Este é o fenómeno conhecido por efeito de Baldwin. Vejamos como funciona:

Seja uma população de uma dada espécie em que existe uma variação considerável de como os seus cérebros estão ligados (implicando, neste caso, uma variada gama de comportamentos) no momento do nascimento. Vamos pressupor que apenas uma das combinações possíveis permite obter uma vantagem evolutiva decisiva (cujo comportamento designamos de Bom Truque). Podemos representar isto na seguinte paisagem adaptativa (os dois eixos representam variações das duas variáveis genéticas consideradas relevantes neste exemplo; a altura dá-nos o grau de adaptação ao ambiente, ie, quanto mais alto melhor):
Como a figura mostra, há apenas uma forma óptima de fixar o cérebro. As outras, independentemente da distância genética, são semelhantes no grau de adaptação. Esta agulha no palheiro é virtualmente invísivel para a selecção natural. Mesmo um indíviduo que tenha a sorte de nascer com a combinação certa terá poucas probabilidades de passar esse conjunto certo de valores para as gerações futuras, excepto se houver alguma plasticidade entre os individuos desta população.

Suponhamos então que os organismos começam todos diferentes e, no decurso das suas vidas, modificam o seu comportamento 'navegando' na paisagem adaptativa graças à sua plasticidade. E devido às características do seu ambiente eles tenderão a orbitar perto do Bom Truque, dado que ele existe e, havendo possibilidade para tal, existe uma tendência para o aprender. Suponhamos que quem não aprende o Bom Truque tem uma grande desvantagem e que aqueles que, ao nascimento, começam longe do Bom Truque têm mais dificuldade em aprendê-lo (o esforço de aprendizagem é maior quanto maior for a distância a que se encontram). Ou seja, os individuos que nascem com os cérebros perto do Bom Truque têm mais possibilidades de sobreviver (e de se reproduzir) do que aqueles que nascem longe, mesmo não havendo no ambiente qualquer gradiente que favoreça essa distância (como se observa na figura anterior). Desta forma, na próxima geração há a tendência para que os cérebros da população estarem, ao nascimento, geneticamente fixados mais perto do Bom Truque (fazendo com que a aprendizagem das novas gerações seja progressivamente mais fácil). Este é o Efeito de Baldwin que, graças à plasticidade dos individuos que compõem a população, transforma a inicial paisagem adaptativa na seguinte:
Assim, uma população capaz de aprender explora fenotipicamente o espaço de possibilidades mais próximas, algo muito mais rápido e eficaz que a exploração cega de possibilidades que o mecanismo central da evolução (variação genética por mutação e recombinação sexual) promove.

[...] A transmissão cultural ao permitir que todos tenham acesso ao Bom Truque, maximiza e achata o cume da figura anterior tornando-o num planalto. Este planalto diminui a pressão sobre a população de fixar geneticamente esta redução de distância. Nas civilizações humanas onde ocorre uma enorme exploração de possibilidades e onde a comunicação e o ensino explicam, com eficiência exponencial, os diversos Bons Truques, esta pressão genética desaparece ou, pelo menos, é fortemente reduzida.